quinta-feira, 10 de julho de 2008

Ter ou não ter namorado, eis a questão - Carlos Drummond de Andrade
Quem não tem namorado é alguém que tirou férias remuneradas de si mesmo. Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabira, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado mesmo é muito difícil.

Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio, e quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele não precisa ser parruda ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.

Quem não tem namorado não é quem não tem amor: é quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento, dois amantes e um esposo; mesmo assim pode não ter nenhum namorado. Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema, sessão das duas, medo do pai, sanduíche da padaria ou drible no trabalho.

Não tem namorado quem transa sem carinho, quem se acaricia sem vontade de virar lagartixa e quem ama sem alegria.

Não tem namorado quem faz pactos de amor apenas com a infelicidade. Namorar é fazer pactos com a felicidade, ainda que rápida, escondida, fugidia ou impossível de curar.

Não tem namorado quem não sabe dar o valor de mãos dadas, de carinho escondido na hora que passa o filme, da flor catada no muro e entregue de repente, de poesia de Fernando Pessoa, Vinícius de Moraes ou Chico Buarque, lida bem devagar, de gargalhada quando fala junto ou descobre a meia rasgada, de ânsia enorme de viajar junto para a Escócia, ou mesmo de metrô, bonde, nuvem, cavalo, tapete mágico ou foguete interplanetário.

Não tem namorado quem não gosta de dormir, fazer sesta abraçado, fazer compra junto. Não tem namorado quem não gosta de falar do próprio amor nem de ficar horas e horas olhando o mistério do outro dentro dos olhos dele; abobalhados de alegria pela lucidez do amor.

Não tem namorado quem não redescobre a criança e a do amado e vai com ela a parques, fliperamas, beira d'água, show do Milton Nascimento, bosques enluarados, ruas de sonhos ou musical da Metro.

Não tem namorado quem não tem música secreta com ele, quem não dedica livros, quem não recorta artigos, quem não se chateia com o fato de seu bem ser paquerado. Não tem namorado quem ama sem gostar; quem gosta sem curtir quem curte sem aprofundar. Não tem namorado quem nunca sentiu o gosto de ser lembrado de repente no fim de semana, na madrugada ou meio-dia do dia de sol em plena praia cheia de rivais.

Não tem namorado quem ama sem se dedicar, quem namora sem brincar, quem vive cheio de obrigações; quem faz sexo sem esperar o outro ir junto com ele.

Não tem namorado que confunde solidão com ficar sozinho e em paz. Não tem namorado quem não fala sozinho, não ri de si mesmo e quem tem medo de ser afetivo.

Se você não tem namorado porque não descobriu que o amor é alegre e você vive pesando 200Kg de grilos e de medos. Ponha a saia mais leve, aquela de chita, e passeie de mãos dadas com o ar. Enfeite-se com margaridas e ternuras e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesma e descubra o próprio jardim.

Acorde com gosto de caqui e sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela. Ponha intenção de quermesse em seus olhos e beba licor de contos de fada. Ande como se o chão estivesse repleto de sons de flauta e do céu descesse uma névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteio.

Se você não tem namorado é porque não enlouqueceu aquele pouquinho necessário para fazer a vida parar e, de repente, parecer que faz sentido.

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PRESENTES

As pessoas são presentes de Deus para mim.
Já vem embrulhados, alguns lindamente e outros de modo menos atraente.
Alguns foram danificados no correio; outros vem por “entrega especial”; alguns são desarmados; outras hermeticamente fechados.
Mas o presente não é a caixa e sim o que está dentro dela; esta é uma importante descoberta. É tão fácil cometer um erro a esse respeito! Julgar o conteúdo pela aparência...
Às vezes, o presente é aberto com facilidade; às vezes é preciso de ajuda. Talvez porque tenham medo. Talvez porque já tenham sido magoados antes e, não queriam ser magoados de novo. Pode ser que já tenham sido abertos e depois jogados fora. Pode ser que agora se sintam mais como “coisas” do que “pessoas humanas”.
Sou uma pessoa como todas as outras, também sou um presente de Deus encheu-me de uma bondade que é só minha. E, contudo, às vezes tenho medo de olhar dentro de uma caixa. Talvez eu tenha medo de me desapontar... Talvez não confie em meu próprio conteúdo. Ou pode ser que eu nunca tenha realmente aceitado o presente que eu sou...
Todo o encontro e relacionamento entre pessoas é uma troca de presentes...
O meu presente sou eu; e o seu presente é você.
Somos presentes um para outro...

John Powell

Quase acredite...

Quase acredite

Quase acreditei que não era nada,
ao me tratarem como nada.

Quase acreditei que não seria capaz,
quando não me chamavam por acharem que eu não era capaz.

Quase acreditei que não sabia,
quando não me perguntavam por acharem que eu não sabia.

Quase acreditei ser diferente,
entre tantos iguais, entre tantos capazes e sabidos,
entre tantos que eram chamados e escolhidos.

Quase acreditei estar de fora,
quando me deixavam de fora porque... que falta fazia?

E de quase acreditar adoeci;
busquei ajuda com doutores, mestres, magos e querubins.

Procurei a cura em toda parte e ela estava tão perto de mim.

Me ensinaram a olhar para dentro de mim mesmo e perceber que sou exatamente como os iguais que me faziam diferente.

E acreditei profundamente em mim.
E tenho como dívida com a vida fazer com que cada ser humano
se perceba, se ame, se admire de si mesmo,
como verdadeira fonte de riqueza.

Foi assim que cresci:
acreditando.

Sou exatamente do tamanho de todo ser humano.

E por acreditar perdi o medo de dizer, de falar,
participar e até de cometer enganos.

E se errar?
Paciência, continuo vivendo por isso aprendendo.
E errar é humano.